Espaço do Céu - Astrologia
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Celisa Beranger
Do Mapa ao Território
Autor(a):
Silvia Ceres (Argentina)
em
9 de outubro de 2010
Mediante este trabalho procuro responder a várias inquietações suscitadas ao longo de anos de trabalho como consultora astrológica.
Uma primeira pergunta pode ser formulada assim: como passar do gráfico, expresso nas duas dimensões do plano – altura e largura – para a síntese de uma terceira dimensão – profundidade – que aparece na entrevista com a presença do cliente?
Isto se percebe especialmente nos primeiros tempos de atividade, quando a insegurança profissional obriga a redigir extensos relatórios prévios ao encontro com o dono do mapa. Muitas elucubrações – talvez teoricamente corretas- se distanciam bastante das experiências vividas pelo indivíduo, gerando uma ampla brecha entre o enunciado e o experimentado.
Passar das duas dimensões a uma terceira poderia resumir-se na expressão utilizada por Korzybsky, em seu livro Science and Sanity (1938): “o mapa não é o território”.
A frase se originou em uma teoria da comunicação denominada Programação Neuro Lingüística (PNL), centrada na experiência humana subjetiva, nas formas em que cada indivíduo percebe e descreve uma determinada situação da realidade, filtrada mediante os sentidos, os modelos mentais, as experiências prévias, etc.
Um mapa é uma representação abstrata, limitada a um marco determinado. Por exemplo: a estrada entre São Paulo e Rio do Janeiro, desenhada em uma escala estabelecida pelo cartógrafo, reforçando certos marcos, de acordo com o uso que o mapa ofereça: acidentes geográficos, hotéis, restaurantes ou postos de abastecimento de combustível.
Da mesma maneira, o mapa natal é uma representação do céu para um momento e lugar determinados pelo nascimento do nativo. É de consenso geral desenhar os planetas, as casas, os aspectos. Alguns astrólogos – de acordo a sua linha de trabalho pessoal – acrescentam estrelas fixas, asteróides, aspectos menores, pontos sensíveis, etc. Assim mesmo podem ser implementados diferentes orbes planetários ou distintos sistemas de casas. Então, com maiores ou menores variantes, fica traçado um gráfico compreensível para quem conhece o código astrológico.
Um território – geograficamente falando – inclui os seres que ocupam esse espaço, os aromas, as cores, as texturas da paisagem, as fendas ou promontórios do solo, adicionando vida ao mapa.
Astrologicamente, o território está constituído pelas diferentes vivências, a história pessoal, o contexto familiar, a pertinência sócio cultural, que foi remarcando e dando vida aos diferentes setores do mapa.
Normalmente, uma consulta astrológica implica a interpretação da carta natal – um esquema estável. Em seguida damos um salto no tempo ao aqui e agora para atualizar – mediante variados sistemas preditivos – as tendências do momento e o futuro.
Porém como o mapa natal começou a adquirir movimento? Que pistas foram desenhando caminhos para transformar o mapa abstrato no território habitado pelo sujeito?
Um exemplo expressará melhor o assunto teórico. Um trânsito de Urano pela casa III pode em princípio, significar um distanciamento entre irmãos ou vizinhos, uma predisposição a espasmos bronquiais ou uma ativação do trabalho intelectual, o que não significa que tudo isso ocorra simultaneamente com a pessoa.
Sem dúvida, o esquema geral da carta inclinará a escolher como provável uma ou outra opção. Uma primeira resposta pode ser dada pela supremacia de planetas nos diferentes ritmos.
O cardinal – por sua atenção centrada no objeto, no externo – facilita um comportamento de distanciamento frente ao meio ambiente.
O fixo – cujo foco se centra no sujeito – provavelmente comprometa mais o físico.
O mutável – por sua função de síntese sujeito / objeto – tende a destacar a atividade mental.
Embora esta aproximação ajude a selecionar os acontecimentos prováveis na vida do nativo, não consegue explicar o estilo pessoal com que cada indivíduo ativa as tendências de seu mapa.
A esta exposição básica se somou a experiência na interpretação de mapas natais de crianças, que inclui prestar atenção – a partir do ponto de vista preditivo – a curtos períodos de tempo, devido aos poucos anos de vida dos nativos.
Isto me levou a observar que os movimentos que se realizam pela primeira vez, devido à premissa axiomática da astrologia de que o início de algo –uma vida, uma ocorrência, etc. – participam das características do desenvolvimento posterior desta semente – matriz de origem.
Os primeiros deslocamentos – entre os dois e três anos de idade – da Lua progredida, Saturno e Marte em trânsito, desencadeiam uma dinâmica, um relevo do terreno, que caracterizam marcas e vivências que constituirão posteriormente o estilo do sujeito.
Estilo com qual o indivíduo responderá aos estímulos planetários que são mobilizados pelas direções, trânsitos, revoluções, ou qualquer outro método eleito para avaliar as tendências de um tempo determinado.
A proposta é compreender a quem afeta o movimento, que tipo de subjetividade implementará uma resposta, antes de um planeta ser ativado por outro. Podemos observar variações notáveis de reação frente a deslocamentos teoricamente similares.
Há alguns anos presenciei o diálogo entre dois colegas que comentavam o efeito da passagem de Saturno sobre seus respectivos Ascendentes. Enquanto um deles comentava que dormia menos que de costume, o outro mencionava exatamente o contrário. O notável era que compartilhavam o mesmo signo ascendente e a mesma posição do Saturno natal.
A curiosidade me levou a perguntar quanto dormiam habitualmente. Enquanto um respondia não menos de 9 horas, o outro afirmou que não mais de 5. Inferi que a passagem de Saturno recordava a ambos que era hora de viverem como adultos: não é preciso dormir como uma criança, nem acreditar ser um super homem incansável.
O mesmo trânsito produzia duas respostas subjetivas antagônicas, porque acontecia a indivíduos de hábitos distintos.
Para perceber então as diferenças, é necessário analisar o contexto, sobre a significação, a interpretação que o sujeito realizará do acontecimento – Júpiter – antes da observação detalhada de Mercúrio. A pergunta que precisa ser feita antes de “o que acontece” é “a quem acontece”.
Em síntese, o sujeito que interpreta e responde ao estímulo (quem?) é prioritário ao objeto estimulador (o que).
Os rastros de memória
Sigmund Freud utiliza esta expressão ao longo de sua obra para designar a forma como se inscrevem os acontecimentos na memória. Estas marcas se depositam em distintos sistemas, persistindo de modo permanente na forma de certa energia psíquica unida a um grupo de representações –corporais ou de objetos – e se reativam frente a situações de certa semelhança na vivência do sujeito.
Embora um acontecimento possa inscrever-se em diferentes sistemas mnêmicos, existe uma predisposição a que uma determinada via seja seguida com preferência a outra.
Até aqui é a posição do pai da Psicanálise. Porém cabe perguntar o que determina no indivíduo sua inclinação a privilegiar um caminho em relação aos demais?
A partir da perspectiva astrológica podemos responder que nos primeiros deslocamentos dos três planetas enunciados anteriormente – Lua, Saturno, Marte – se encontra a chave da resposta.
Sistema Lua. Interioridade.
O conhecimento astrológico frequentemente a associa com o passado, o útero, a proteção, a nutrição, a segurança interior, a emocionalidade, a dependência, funções que em princípio estão relacionadas ao papel materno.
A prematuridade da criatura humana, em comparação a outros mamíferos, obriga a que se constitua um forte vínculo com o exterior como condição indispensável para a sobrevivência, não só física, mas também psíquica.
Depende então do papel materno – não obrigatoriamente desempenhado pela mãe biológica – atender às necessidades do bebê. Um bebê que em sua existência uterina se manteve em estado de homeostasis, de equilíbrio, de “nirvana” e que a partir do nascimento começa a sentir fome, dor, frio. Algo perturbador dentro de si, que só pode ser acalmado por alguém fora de si.
Caso a criança seja bem assistida quando surgem estas inquietantes sensações, é previsível que constitua então uma relação amigável com suas percepções internas. Porém, se ao contrário, sentiu-se desatendido, abandonado ou inadequadamente cuidado, a relação com a própria interioridade ficará carregada de conflitos. Sintetizando, estamos falando de uma melhor ou pior configuração lunar. A associação da Lua com a função materna, e desta com a atenuação das pulsões é bastante visível. De maneira que pode constituir uma cadeia significante com:
– LUA
– FUNÇÃO MATERNA
– MUNDO INTERIOR – percepções, sensações
– PULSÕES – fome, sede, frio
– ID – na segunda teoria freudiana do aparelho psíquico, constitui o pólo pulsional, o reservatório primário de energia psíquica.
Vejamos, no momento do nascimento a Lua pode localizar-se em qualquer dos quatro elementos, outorgando cada um uma forma de resposta emocional, que a princípio será projetada sobre a figura materna. A partir dos 14 anos – quando em sua progressão a Lua se opuser a si mesma – poderá começar a compreender que a resposta emocional não é só uma consequência do exterior e sim algo de si mesmo.
O que acontece durante os 2 ou 3 primeiros anos de vida? A Lua de Fogo passa a Terra, a de Terra a Ar e assim sucessivamente.
A questão seria mais ou menos deste modo: troca-se a impaciência (Fogo) pelo conformismo (Terra). “Eu quero já, mas tenho que esperar um pouco para ser satisfeito“.
O suportar (Terra) transforma-se em racionalização ou em querela (Ar). “Sou paciente para esperar que me atenda, mamãe não me faz esperar por ser má, mas sim porque está muito ocupada“, ou melhor, “Porque sou paciente ela me deixa para o final, se eu armasse um pequeno escândalo com certeza ela viria correndo“.
A argumentação (Ar) torna-se retraimento ou reação emocional (Água) “Entendo as dificuldades de mamãe, portanto guardo minhas necessidades, afinal de contas ela não vai mesmo satisfazer todas” ou também “Entendo as dificuldades, mas estou farto, agora vão me escutar ainda que não queiram“.
A sensibilidade (Água) se transforma em raiva (Fogo). “Já que ninguém percebe a sutileza de meus sentimentos eu vou impô-los“.
Embora a conduta descrita em primeiro lugar, seja a que marca claramente o estilo emocional do sujeito, a segunda funciona como mecanismo compensatório para suportar o tanto de frustração obrigatória, visto que existe um desencontro estrutural entre a pulsão e sua respectiva satisfação.
Um fator importante para avaliar as marcas traçadas pelo primeiro deslocamento lunar são os aspectos que vão se tornando partis, a partir da posição natal até a progressão de 30º a frente. Esses contatos sucessivos constituem o esboço de uma memória emotiva, fixam um sabor sobre as vivências vinculadas. Para compreender sua dinâmica, é necessário atender à natureza do luminar no signo e as qualidades do aspecto.
Por exemplo: Lua em Câncer, cujo primeiro aspecto partil é um trígono ao Júpiter em Peixes, que vai “adivinhar” cada uma de suas necessidades, outro possível trígono, a Vênus em Escorpião, deixará uma marca diferente, mais preocupada com suas vivências passionais ou o anseio de dominação, que ser cuidado pelo outro.
Sistema Saturno. Exterioridade.
O Co-protagonista da vida da criança é o pai. Quando a Astrologia o representa por um planeta, as opiniões se dividem entre Sol e Saturno. Prefiro Saturno por várias razões:
– Considero correto pensar em Sol-pai em um período histórico pré-moderno, onde ainda não tinha surgido o conceito de indivíduo e onde este ficava definido em sua realização pelo papel paterno. Por exemplo, ser artesão de certo sindicato e não de outro, em função de ser filho de alguém pertencente a essa corporação. Porém, a partir da Revolução Francesa, as sociedades adquiriram maior mobilidade, portanto cada um passou a definir-se por si e para si.
– Se o Sol for o pai, pergunta-se onde está o dono do mapa?
– Se o simbolismo do Sol convida a pessoa a conseguir manter-se centrada no eixo de si mesma e não rodar na periferia, isto implica um esforço, um desenvolvimento, um objetivo a alcançar, enfim algo que está como promessa em um futuro e não como gerador do passado. Fica a sensação que o Sol falaria mais de uma origem divina – o homem feito à imagem e semelhança de Deus – do que humana.
Quais são os significados astrológicos de Saturno? Saturno representa o esforço para manter a vida em forma autônoma, para nos valer por nós mesmos, tende à auto-suficiência e a auto-manutenção. É o planeta da limitação, da lei, das regras e das normas, privilegia a responsabilidade e o compromisso acima dos estados subjetivos, emocionais ou passionais. Teme a intimidade e a simbiose, levantando defesas e resguardando-se frente ao que percebe como invasão a seu mundo pessoal.
No que consiste a função paterna? Em produzir um corte no estreito vínculo mãe-filho, que facilite a criança tomar distância, crescer, formar uma estrutura independente para tramitar seu próprio desejo.
Como produz este corte? Impondo a lei, não exclusivamente no sentido do direito, mas também no da física – não só sanção, mas também regularidade. O pai como portador da lei é o que nos permitiu escutar tantas vezes: “Você vai ver quando seu pai chegar…“, “É hora de ir para a cama“, “Ainda que seja seu aniversário não é motivo para faltar à escola“.
Também é próprio da função paterna prover uma bateria identificadora de ideais, a partir da qual o sujeito se constitui para poder em seguida vincular-se com o âmbito social. Portanto poderíamos dizer que facilita, que intermedia a passagem da experiência sensível para um universo simbólico.
Deixando de lado a possível discussão sobre a vigência atual deste papel paterno – Homero Simpson é o arquétipo da degradação do papel do pai – poderíamos articular a seguinte cadeia:
– SATURNO
– FUNÇÃO PATERNA
– MUNDO EXTERNO
– IDEAIS
– SUPEREGO– interiorização de exigências e proibições que geram a consciência moral, a auto-observação, a formação de modelos, o deve ser.
Retornando ao campo astrológico, sabemos que o ciclo do trânsito de Saturno é um lapso similar ao da Lua progredida, de maneira que entre os 2 e 3 anos de vida avança um signo.
É importante observar a mudança de signo e os sucessivos aspectos partis.
Nos signos de Terra e Água, Saturno tende a auto-exigência; como conseqüência se torna facilmente limitante.
Em signos de Fogo e Ar, a exigência se exterioriza, podendo assumir graus de rigidez no cumprimento de determinados ideais.
O risco da polaridade receptiva é o excesso de culpabilidade; na polaridade ativa, o excesso de convicção, com raias à obsessão.
Quando transita de uma polaridade a seguinte, o que fica em jogo é a tensão entre comandos internos e externos. “Tenho que estar à altura do que o mundo me exige” (de passiva a ativa). “O mundo tenta me limitar, mas eu vou lutar contra isso” (de ativa a passiva).
Em relação aos sucessivos aspectos, de acordo com as características de cada planeta e a qualidade dos contatos, é possível inferir a relação que o sujeito estabelecerá em seu papel social.
Sistema Marte. Auto-afirmação.
Deixemos de lado por um momento os pais da criança para focar no pequeno e inquieto tirano, representante direto de Marte.
Os atributos de Marte são os de um planeta separativo, friccional, dinâmico, diferencial, que realça o anseio pela sobrevivência – física e psíquica – definindo um perfil de identidade.
Expressa-se através de “Eu sou, eu desejo, eu obtenho, eu me defendo, eu derroto meus inimigos, eu tenho que viver“.
Elmer Bacher o denomina “a mão direita do Sol“, uma vez que ambos sintetizam a polaridade ativa, masculina. Enquanto vivamos no campo do desejo mais do que no da vontade, Marte toma o lugar do Sol.
Aceitando esta afirmação, não é fora de propósito supor o papel preponderante que ele goza durante a primeira infância. Época de grande desgaste de energia, de aprendizagem de coordenação muscular, de golpes, cortes, temperaturas altas e infecções passageiras. Mas também é o período de quebrar objetos, de grandes manhas de criança, de ataques de ciúmes, de atitudes egoístas, de necessidade de chamar a atenção, de gritar, de brigar, de teimar. Nenhum período da vida mostra Marte de maneira tão franca, direta e espontânea.
Em parágrafos anteriores comentávamos que a função paterna opera sobre a simbiose mãe-filho, uma vez que oferece a este um leque de ideais com os quais identificar-se (“Quando for grande vou ser como meu pai” “vou me casar com um homem como meu pai“), conferindo a Marte um primeiro exercício de independência e uma direção a sua energia.
É interessante recordar que Marte se exalta em Capricórnio – signo de Saturno – e tem sua queda em Câncer – signo da Lua.
Como síntese, podemos constituir a seguinte cadeia de correspondências:
– MARTE
– IDENTIDADE
– SEXUALIDADE – não limitada ao aparelho genital, mas sim referida a uma série de excitações e atividades presentes na infância, geradoras de uma cota de prazer que não pode ser reduzida à satisfação de necessidades fisiológicas
-- EGO – fator de ligação dos processos psíquicos, fruto de sucessivas identificações que conduzem a um objeto de amor diferenciado dentro do indivíduo.
A casa natal de Marte – início de seu ciclo – assim como os planetas com os quais vai efetuando conjunções, indicarão o perfil que toma o processo de diferenciação.
O território
Chegados a este ponto, é possível afirmar que o território – ou as vivências que conferem “volume” ao mapa – está grandemente limitado pelos rastros de memória que oferecem um circuito ou sistema privilegiado de respostas às dificuldades que cada indivíduo enfrentará ao longo de sua vida.
De maneira que quem possua um “sistema Lua” destacado, responderá aos estímulos dos distintos sistemas preditivos a partir da interioridade, os de “sistema Saturno” a partir da exterioridade e os de “sistema Marte” a partir da auto-afirmação.
Alguns exemplos
A seguir, veremos mapas natais, um breve esboço da obra e da biografia de três poetas, que ilustram os modelos enunciados nos parágrafos anteriores.
A escolha dos poetas se baseou no critério de considerar que a poesia é um caminho adequado para expressar os territórios particulares por onde passou a existência de cada autor.
Miguel Hernández. (1910/1942). Sistema Lua.
Miguel foi o segundo filho homem de um lar humilde. Estudou de maneira mais ou menos sistemática até os 14 anos, idade em que começou a cuidar dos rebanhos de cabras que constituíam o sustento da economia familiar.
Alternou seu trabalho de pastor com a leitura de todos os livros que lhe chegaram às mãos, e escreveu seus primeiros poemas aos 15 anos. Neles manifestou, de forma sutil, a admiração produzida pela contemplação da natureza à sua volta.
As vicissitudes políticas da Segunda República despertaram nele uma atitude de compromisso social. Sua poesia se tornou mais direta e combativa. Quando explodiu a Guerra Civil – 1936 – alistou-se no 5º Regimento, e partiu para a linha de batalha para defender a legalidade republicana ameaçada pelo levante de Francisco Franco.
Casou-se em março de 1937 e teve dois filhos, o primeiro dos quais morreu antes de completar um ano.Em julho de 1939, terminou a Guerra, com o triunfo das tropas fascistas. Hernández já era um poeta reconhecido, seus amigos tentaram buscar refúgio ou salvo condutos para seu exílio. Imprudentemente, resolveu retornar a Orihuela – sua cidade natal – preocupado com sua família. Em setembro de 1939, o encarceraram, e em março de 1940, o condenaram a morte, pena que foi comutada por 30 anos de prisão. Faleceu em 28 de março de 1942, de tifo e tuberculose, conforme diz o atestado de óbito. Mas morreu também pela tristeza gerada pela morte de seu filho, e pela derrota de sua luta.
Na obra de Miguel Hernández se unem o mais íntimo e o mais político, a emoção íntima e o discurso público. Ele exerce seu compromisso com a realidade manejando a palavra singela e inocente, como uma arma narrativa do que sente, em uma prática poética defensora da justiça, escrita na primeira pessoa, subjetiva, explicando a própria biografia.
Diz Hernández, na dedicatória de um livro a Vicente Alexandre: “A nós, que nascemos poetas entre todos os homens, tem-nos feito poetas a vida junto a todos os homens. (…) Os poetas são vento do povo: nascemos para passar atravessar seus poros e conduzir seus olhos e seus sentimentos para os cumes mais belos. Hoje, este hoje de paixão, de vida, de morte, empurra-nos de um modo grandioso, a ti, a mim, a vários, para o povo. O povo espera os poetas com o ouvido e a alma inclinados ao longo de cada século”.
Seu mundo subjetivo, sensível, o amor por sua família, o retorno ao lugar de nascimento, sua proximidade ao sentimento singelo de homem do povo, nos remete a um cenário lunar. Um dado mais: seu primeiro livro se intitula “Perito em luas”.
Em seu mapa natal, Marte não é um planeta notável, por sua posição de exílio em Libra e na casa XII.Saturno em Touro – trigonocracia – e presente na casa VII, poderia ter maior incidência. Encontra-se retrógrado, movimento que conservará até janeiro de 1911 (29º41’ Áries). Em setembro de 1911, novamente retrograda até 20º13’ Touro. Em janeiro de 1912, torna-se direto (13º18’ Touro). Em todo este trajeto de ida e volta não fez nenhum aspecto maior com outros planetas do mapa. Somente em abril de 1912, fez um sextil a Netuno e um trígono a Urano. De maneira que, embora parecesse levemente melhor posicionado, de fato fica isolado por longo tempo do resto do mapa.
Quanto à Lua, tampouco mostra uma posição destacável. Entretanto, seus primeiros contatos são importantes. Quadratura a Netuno, quadratura a Urano, conjunção a Marte, Júpiter, Mercúrio, trígono a Plutão, conjunção ao Ascendente e a Vênus – seu próprio dispositor. Os primeiros contatos de quadratura a Netuno e Urano selam um pacto com o “espírito de seu tempo” – como expus no Simpósio do SINARJ 2009 –, enquanto os seguintes selam uma marca profundamente libriana.
Seus primeiros poemas (1925) foram escritos com os seguintes trânsitos:
Júpiter conjunção a Urano, oposição a Netuno. Saturno em Escorpião, trígono a Netuno, sextil a Urano. Urano em Peixes, trígono a Netuno, sextil a Urano. Apesar da ativação de planetas sociais e transpessoais, sua escrita intimista, de perplexidade frente às belezas naturais, é profundamente lunar.
Sua prisão (setembro de 1939) acontece com os trânsitos de: Urano em Touro, trígono a Urano, sextil a Netuno. Netuno em Virgem, trígono a Urano, sextil a Netuno. Plutão em Leão em quadratura a Saturno. Poderia tê-los aproveitado para escapar da prisão? Possivelmente, mas sua tendência às respostas lunares levaram-no de volta à sua cidade natal, à sua família, embora os amigos tenham advertido-o repetidamente sobre o perigo que corria.
Fernando Pessoa. (1888/1935). Sistema Saturno.
A morte prematura de seu pai (1893) foi a primeira em uma vida marcada por sucessivas perdas – de irmãos e amigos. Como pano de fundo, seu tataravô judeu Sancho Pessoa da Cunha, condenado pela Inquisição de Coimbra em 1706 por ser “cristão novo”, a frágil saúde de uma família ameaçada pela tuberculose, a loucura da avó Dionísia, seu próprio temor à loucura. A mãe se casou novamente com o cônsul português de Durban (África do Sul), cidade para a qual partiram em janeiro de 1896. Fernando foi aluno de um colégio britânico e teve outra perda: a língua materna. Em seus anos escolares, leu avidamente literatura em inglês: especialmente Poe – cuja intensidade o emocionava – e Shakespeare, de quem admira sua capacidade para criar universos. Não era somente um leitor voraz, mas também um escritor fecundo em língua inglesa. Anos mais tarde, dirá de si mesmo que é um poeta pela vivência e um dramaturgo pela distância.
Em 1905, retornou a Lisboa para estudar Letras e então recuperou o idioma português.
Levou uma vida boêmia, formando parte de diferentes grupos literários. Enquanto isso, sua vida cotidiana transcorreu humildemente, ganhando um magro salário como empregado em casas comerciais redigindo correspondência em inglês e francês.
Enquanto a Europa se debatia em árduas lutas ideológicas entre esquerdas e fascismo, ele se autodefinia monárquico, conservador e nacionalista místico. Envolveu-se com o movimento do “Quinto Império”, um messianismo de retorno ao esplendor lusitano do século XVI.Faleceu aos 47 anos, em 30 de novembro de 1935. Entre seus poucos pertences, foi encontrado um baú que guardava 25.426 páginas de originais manuscritos.
O mapa natal de Pessoa não assinala uma posição notável de nenhum dos três planetas considerados neste trabalho. Marte em exílio, na casa XII e em conjunção a Urano, inclina mais à teorização que à ação. Lua em Leão, conjunção ao MC e a Saturno, localiza-se em sua casa de exílio. Saturno, no signo de exílio ganha um valor relativo devido à conjunção ao MC.
De qualquer modo, surge aqui um tema de velocidades de deslocamento. Marte fez em 26 de julho conjunção ao Ascendente, em setembro conjunção a Júpiter e até maio de 1889 não iniciou seu percurso por Gêmeos.
A Lua progredida necessitará 4 meses para realizar seu primeiro contato – o sextil a Urano – e um mês mais para realizar o mesmo aspecto com Marte.
Quanto a Saturno, a 8 dias de seu nascimento faz um sextil partil a Plutão; um mês depois – 19 de julho –transita em conjunção à Lua; em agosto, faz um sextil a Urano e, em setembro, o mesmo aspecto a Vênus e Marte. Então, não só adquire posição pela prematura conjunção à Lua, mas também seus aspectos imediatos são sextis a regentes de três de seus ângulos: Marte/Plutão – Ascendente –, Urano – corregente da IV – e Vênus – Descendente. Por todas estas razões, considero que Pessoa pertence ao sistema Saturno. Do ponto de vista literário, 1914 será um ano de mudanças. É o momento em que fizeram sua aparição triunfal os três heterônimos principais – entre mais de 75 – : Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, iniciando uma magnífica etapa poética. A estes três personagens, lhes atribuiu biografias e mapas natais individuais.
Heterônimo significa alguém distinto de si mesmo, mas que se manifesta em si mesmo. Não se esconde atrás de uma identidade alheia – pseudônimo – mas sim sob individualidades diferentes, com estilos literários próprios, debatendo entre si por divergentes critérios poéticos. Fenômeno que levou os estudiosos da obra de Pessoa a uma quantidade de conjecturas: da esquizofrenia à canalização de entidades.
Sobre o frágil aparelho psíquico de Pessoa, os movimentos planetários de março de 1914 assinalam um momento perigoso. Frente à ameaça de ruptura interna, de implosão das tensões, se abre para o exterior, multiplicando-se nos três personagens, que lhe concederão a fama e o prestígio de ser uma das vozes mais importantes da poesia do século XX. Esta teoria eu postulei em meu texto “Fernando Pessoa, poesia, heterônimos e Astrologia” (2008).
Um último comentário: para seu heterônimo mais íntimo, Ricardo Reis, foi feito um mapa natal com Saturno em 03º30’ de Leão, em conjunção partil –35’ de orbe – a seu próprio Saturno.
Walt Whitman (1819/1892). Sistema Marte.
Foi o segundo dos 9 filhos de pais de escassos recursos. Sua passagem pela escola foi breve, devido à necessidade de trabalhar muito cedo para cooperar com a empobrecida economia familiar.
Apesar de sua limitada formação acadêmica, seu primeiro trabalho foi como professor itinerante. Depois, ingressou em uma gráfica, onde despertou seu interesse pelo jornalismo. Posteriormente, se dedicou a escrever para diversas publicações.
Em 1846, nomearam-no diretor de um jornal; dois anos depois renunciou por dissidências com a linha editorial pró escravidão.
Em 1848 partiu para o sul, para dirigir um jornal em Nova Orleans. Lá conheceu outra realidade e em poucos meses resolveu voltar para Nova York, abandonou o jornalismo e se dedicou completamente à literatura.
Em 1855, editou por sua conta 1000 volumes de seu primeiro – e único – livro: “Folhas de Erva”, cuja primeira edição constava de 95 páginas, e a oitava (1882), era superior a 500.
Durante a Guerra Civil, alistou-se como ajudante de enfermaria. Depois se estabeleceu em Washington, onde trabalhou como empregado administrativo. Lá escreveu vários ensaios políticos, onde defendia os valores democráticos, mas advertia que o excessivo materialismo podia prejudicar a sociedade norte-americana. Já doente, partiu para Nova Jersey, lugar onde permaneceu até sua morte.
Whitman foi o primeiro poeta que experimentou as possibilidades do verso livre, servindo-se para isso de uma linguagem singela e próxima à prosa, uma vez que criava uma nova mitologia para a jovem nação americana, segundo os postulados do americanismo emergente. O individualismo, os relatos de suas próprias experiências, um tratamento ousado do impulso erótico e a crença nos valores universais da democracia são os traços originais de sua poesia. Sintonizado com o romantismo, propôs em sua poesia uma comunhão entre os homens e a natureza de caráter próximo ao panteísmo. Tanto por seus temas como pela forma, a poesia de Whitman se afastava de tudo que se entendia habitualmente por poético, embora soubesse criar um inovador lirismo.
Marte, em uma posição privilegiada por ser regente e ocupante da casa I, formando um grande trígono de fogo com Urano / Netuno e Lua, o conecta rápida e espontaneamente com o “espírito de seu tempo”. Urano e Netuno em Sagitário foram definidos por O. Adler como “viver a vida como uma única hora da vida”.
Marte inicia seu ciclo transitando pelo auto-afirmativo primeiro quadrante e faz suas primeiras conjunções a planetas pessoais – Vênus, Mercúrio, Sol, Lua-.
Quanto a Lua e Saturno – peregrinos e ambos em grau 29 – iniciam seu deslocamento devendo trocar de signo, o que logo modifica sua manifestação.
O famoso verso que inicia sua obra: “Celebro-me e canto a mim mesmo…”, pode ser interpretado como uma manifestação categórica de seu potente Marte.
Epílogo
Finalizando o percurso teórico, só me resta tornar a insistir sobre a importância de avaliar a quem acontece o evento, antes de fazer hipóteses sobre qual é o possível evento. De acordo com o mapa, os eventos possíveis são múltiplos, o território – as vivências que marcam o mapa – orientam para onde se tende a percorrer a própria vida, nos permitindo ser mais eficazes em nosso trabalho de consultório.
silviaceres@gente-de-astrologia.com.ar
Rio de Janeiro, 18 de outubro de 2010.
Proibida a repetição parcial ou total deste texto.